O relógio tilintou, marcando oito horas, quando Anacleto Silva acordou na manhã clara.
Lá fora, o Sol prometia calor mais intenso e a criançada brincava agitada. Anacleto estirou-se no leito, relaxando os nervos, e,porque iniciaria o trabalho às nove, antes de erguer-se, rezou.
Após falar consigo mesmo, fervoroso, levantou-se feliz, mas, findo o banho rápido, verificou que a fina calça com que lhe cabia comparecer no escritório sofrera longo corte de faca.
Subitamente transtornado, chamou pela esposa, em voz berrante. Dona Horacina veio, aflita, guardando nos braços uma pequerrucha doente. Viu a peça maltratada e alegou, triste:
- Que pena! Os meninos estão à solta, e eu ocupada com a pneumonia da Sônia.
- Que pena! Os meninos estão à solta, e eu ocupada com a pneumonia da Sônia.
Longe de refletir na grave enfermidade da filhinha de meses, Anacleto falou alto:
- Que pena? É tudo o que você encontra para dizer? Ignora, porventura, que esta roupa me custou os olhos da cara?
- Que pena? É tudo o que você encontra para dizer? Ignora, porventura, que esta roupa me custou os olhos da cara?
A senhora, sem revidar, dirigiu-se a velho armário e trouxe-lhe uma calça semelhante a que fora cortada. Pouco depois, ao café, notando a ausência do leite, Anacleto reclamou, irritadiço.
- Sim, sim – explicou a dona da casa -, não pude enfrentar a fila… Era preciso proteger a pequena Sônia…
- Sim, sim – explicou a dona da casa -, não pude enfrentar a fila… Era preciso proteger a pequena Sônia…
Anacleto engoliu alguns palavrões que lhe queriam sair da boca e, quando abriu a porta, na expectativa do lotação, eis que o sogro, velhinho, lhe aparece, de chapéu na mão enrugada, rogando, humildemente:
- Anacleto, perdoe-me a intromissão. contudo, é tão grande a nossa dificuldade hoje em casa que venho pedir-lhe quinhentos reais por empréstimo…
- Anacleto, perdoe-me a intromissão. contudo, é tão grande a nossa dificuldade hoje em casa que venho pedir-lhe quinhentos reais por empréstimo…
- Ora, ora… – respondeu o genro, mostrando raiva injusta – onde tem o senhor a cabeça? Se eu tivesse quinhentos reais no bolso, não sairia agora para encarar a onça da vida.
Nisso um ônibus buzinou à pequena distância, passando, porém, de largo, sem atender-lhe ao sinal. Anacleto, em desespero, gritou, agressivo:
- Malditos! como seguirei para a repartição? Malditos! malditos!…
Outro ônibus, no entanto, surgiu rápido, e Anacleto acomodou-se, enfim.
Mas, enquanto o veículo deslizava no asfalto, confrontou a própria maneira de ser com as afirmações que fizera ao despertar, e só então reconheceu que ele, tão seguro em exaltar a harmonia do mundo, não suportara sem guerra uma calça rasgada. tão certo em prometer a si mesmo o equilíbrio, não se conformara ante a refeição incompleta. tão pronto em anunciar o seu perdão antes mesmo de ser ofendido pelas pessoas, não soubera atender com gentileza a solicitação de um parente infeliz, não pensou duas vezes na hora de ofender e dizer palavras pobres…
E, envergonhado por haver caído tão apressadamente da serenidade à perturbação, começou a perceber que, entre ele e a humanidade, surgia o lar, reclamando-lhe assistência e carinho, e que jamais receberia a paz de fora, sem se dispor a recolhê-la por dentro.
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